Máscara mochica de ouro, que preserva manchas de vermelhão; estudo diz que civilizações já poluíam com mercúrio, por mineração.
Além de terem desenvolvido a agricultura irrigada, a astronomia e a construção de pirâmides, as primeiras civilizações sul-americanas também inventaram algo menos glorioso: a poluição por metais pesados. Há 3.500 anos, no Peru, elas já contaminavam o ar com mercúrio, produto da mineração.
Um estudo realizado por pesquisadores do Canadá, dos EUA e da Alemanha descobriu evidências "incontroversas" de poluição atmosférica por mercúrio milênios antes da conquista espanhola. O metal está acumulado nos sedimentos de três lagos na região de Huancavelica, que abriga a maior jazida de mercúrio das Américas.
Extraindo colunas de sedimento do fundo desses lagos e datando-as, o grupo liderado por Colin Cooke, da Universidade de Alberta, descobriu que a contaminação começou em 1400 a.C. e atingiu valores máximos em 500 a.C. e 1450 d.C.
Estas últimas datas correspondem, respectivamente, ao apogeu da cultura Chavín --considerada o primeiro Estado sul-americano-- e da inca.
Essas civilizações exploravam a região de Huancavelica em busca de cinábrio (HgS), um mineral composto de mercúrio e enxofre.
O cinábrio é moído para a produção de vermelhão, corante que compõe as tinhas vermelhas vivas que culturas como a Chavín, a mochica e a inca usavam como pintura corporal ou para cobrir objetos de ouro.
O mercúrio é altamente tóxico, e exposição a seus compostos causa problemas sérios ao sistema nervoso, aos rins e ao sistema endócrino. Os maias usavam pedras de cinábrio em seus sarcófagos, entre outras coisas, para evitar que eles fossem saqueados.
A produção local de vermelhão foi a primeira fonte de poluição por mercúrio em Huancavelica. O pó de cinábrio, emitido na extração e na moagem do minério, fez a concentração de mercúrio nos sedimentos saltar pela primeira vez acima do nível natural. De 7 microgramas por metro quadrado ao ano ela vai para até 28 microgramas por metro quadrado.
Com o estabelecimento da cultura Chavín, o uso de mercúrio --e a contaminação-- cresceu exponencialmente. O nível do metal nos sedimentos se multiplicou por dez em relação à quantidade natural.
A partir daí, a poluição começa a declinar novamente, para explodir a partir do ano 1400, com a chegada do império inca às minas de cinábrio.
Os incas também trouxeram uma inovação tecnológica que deve ter causado problemas sérios aos habitantes de Huancavelica: "O tipo de poluição mudou de pó de minério para mercúrio elementar gasoso", disse Cooke à Folha. O aquecimento do minério separa o enxofre do mercúrio, produzindo o metal prateado.
Foram os vapores letais desse elemento que se espalharam pelo ar na região. Nos sedimentos de idade pós-incaica analisados pelo grupo de Cooke, o mercúrio aparece em concentrações 30 vezes superiores à natural.
Cooke diz que é difícil saber qual era o grau de exposição da população ao poluente --que também contaminou a água-- e que tipo de impacto a contaminação deve à saúde. "É difícil especular quais eram os riscos", afirma, "mas qualquer quantidade de mercúrio é potencialmente tóxica".