segunda-feira, outubro 19, 2009

DESPERTAR

Um amigo chamou minha atenção para alguns textos que andam pela internet que até lembram alguma coisa de autoconhecimento. A primeira vista parecem profundos, falam de uma busca interior, falam de paz, de amor, enfim parecem que podem ou tem a intenção de resolverem alguma coisa ou ao menos tentam entre argumentos muito simplistas e superficiais a meu ver.
Como sou chata resolvi analisar com maior atenção, não sei se vocês costumam fazer isso. Mas como eu disse, sou meio chata.
Bem, com base na atenção que dei ao texto comecei a constatar minhas próprias falhas de observação o que nos leva a uma leitura totalmente desamparada. E às vezes saímos lendo os artigos de forma a aceitar sem questionar, e isso é um perigo! Porém fazemos isso o tempo todo. Não avaliamos o peso de certas colocações. Acatamos preliminarmente aquilo que parece concordar com nosso modo de ver as coisas. Acabamos por ler e aceitar muito facilmente aquilo que nos agrada e refutamos aquilo que realmente deveríamos ler e aprofundar.
Coloquei-me no lugar de quem passa por alguma situação de conflito ou mesmo na busca de um referencial a respeito de autoconhecimento e ao que poderia levar-me a buscar algum tipo de leitura como aquela.
Basicamente o texto falava de conflitos de relacionamentos, e de pessoas que estavam de alguma forma sempre enfrentando esse tipo de situação (mas e quem não está?).
Então, o texto recheado de “sabedoria” que quase daria para fazer um bolo (receita básica de multi-mistura), dizia que ao olhar o mal do outro, estaríamos absorvendo aquele mal, e que era necessário um olhar para e através da alma, a fim de que não nos identificássemos com o tal suposto mal.
E a coisa vai ficando complexa e desafiadora, no sentido de que é evidente que o desavisado ao ler que lhe falta esse olhar de alma, até porque se supõe que a pessoa na busca de respostas já vai se achar um “nada” um pouco mais a esquerda e perdido na multidão do que antes, porém parece haver tanta sabedoria, que suponho, o leitor continue a leitura, quem sabe na tentativa de descobrir uma chave mágica que resolva seu dilema.
E essa questão do desafio passa batido perante nossos olhos! Mas não é um desafio com bases sólidas na busca de reflexão pessoal, de um estado que nos leve a filosofar, é um desafio sem bases que irá gerar um conflito ainda maior para quem busca com certa ansiedade, mexendo assim de forma velada com a nossa vaidade! Vaidade é o resultado do que os outros pensam de nós, muito diferente de auto-estima que significa o juízo de valor que fazemos de nós mesmos!
Mas o desafio é lançado, e fica aquele sabor amargo das entrelinhas que diz que poucas pessoas conseguem esse modo diferente de olhar e quem escreve ainda diz que é simples de fazer a coisa toda funcionar, e porque então tão poucos conseguem se é tão simples? Até aqui já comecei a pensar, (puxa vida) lendo isso à auto-estima da criatura que já estava meio capenga, desaba de vez. Ou pior do que isso pode ocorrer se aceitar o desafio. E se for um adolescente, ainda com pouca bagagem, percepção?
Fiquei aqui imaginando o leitor falando de si para consigo mesmo (risos). “ah então será por isso que eu atraio tantas confusões”, e o título do texto era algo como “pare de procurar, atraia o que você deseja”. Será que era mesmo sobre a Lei de Atração que ali estava sendo tratada (vide O Caibalion)? Você já passou os olhos no Caibalion? Se não, fica aqui a dica.
Mas segundo o que pude perceber dos sentimentos do suposto leitor para o qual o texto era dirigido, atrair, ele já atraia, ou melhor, só atraia relacionamentos conflitantes.
Mas então se a coisa é simples, se o outro deve ser olhado de forma diferente, ou seja, não vou observar o mal, vou fazer de conta que não vejo, e vamos lá tentar encontrar aquele “olhar de Alma” para o lado bom do sujeito (risos). Se ele se movimentar na sombra eu finjo que não vejo e continuo o considerando, até porque eu estou exercitando meu “olhar de alma”. E pelo modo com que isso foi enfatizado, provavelmente seja uma tentativa de levar o leitor a uma sensação de estar em uma condição superior e privilegiada! Será?
Não sei como vocês encaram estas questões de relacionamentos, porém vejo que na vida realmente não encontrei ninguém que não os tenha em algum certo nível. Não fomos criados em série feito máquinas.
Não resisti...
“Ignorante não é aquele que não tem instrução, mas sim o que não possui autoconhecimento. Do mesmo modo o letrado torna-se estúpido ao buscar a compreensão na autoridade e o saber dos livros. A compreensão sucede unicamente por via do autoconhecimento, o que representa o conhecimento da totalidade do nosso “processo” psicológico. Desse modo, o verdadeiro sentido da educação consiste na autocompreensão porquanto todo o indivíduo reúne a totalidade da existência.” Krishnamurti in Education and The Significance of Life (1953).
Diante de argumento tão profundo que nos leva a tantas questões, tanto no que pensar, será que aqueles que alcançaram o autoconhecimento e a iluminação perderam ou perdem alguma coisa do conhecimento do mundo por não necessitarem mais voltar ao ciclo de morte e vida? Afinal você já se perguntou se a totalidade do conhecimento do mundo e todas as questões de relacionamentos terrenos são mais importantes do que alcançar o entendimento, a compreensão total das suas próprias entranhas e com base nisto entender-se como um ser Divino, quebrando essa ilusão tão forte de separatividade que há em nosso íntimo?
Um excelente pensador, psicólogo e psiquiatra Flávio Gikovate, diz que merecemos educação diferenciada e até mesmo para com os animais domésticos. Estudos estatísticos já estão praticamente comprovando que a homossexualidade que ocorre em apenas um individuo (gêmeos univitelinos), não deve estar ligada a fatores genéticos. Somos assim tão diferentes e ainda assim tão semelhantes em tantos outros aspectos, como querer viver sem conflitos de relacionamentos? Não sei o que você pensa a respeito, mas me parece que o ser já nasce em conflito com a própria vida, com questões ligadas a sua constatação ou não de ser mais do que o seu corpo físico, ou de que a morte deste corpo físico é a certeza mais absoluta que podemos ter! É claro que conflitos existem e você não é um imã de atração e isto por si, tão somente, não pode fundamentar argumentos do processo cármico individual, até porque o carma está muito mais afeto aos aspectos coletivos. Mas, contudo, o que eu considero fundamental no processo de autoconhecimento é justamente aceitar as diferenças, dentro do que se pode entender e dentro dos limites de cada um! Administrar os conflitos é administrar nossas emoções e fazer escolhas e autoconhecimento o tempo todo! A psicologia nos ensina que ninguém fica intimamente bem quando alguém discorda da nossa opinião (Flávio Gikovate), e que para sermos verdadeiramente respeitosos temos que processar inúmeras vezes questões emocionais internas para legitimar essa maneira “verdadeira” de sermos educados, porque em geral intimamente nos irritamos e consideramos aquele que não tem o mesmo modo de pensar um “chato”, “burro” ou um “desonesto”. Simplificando, ser verdadeiramente respeitoso demanda trabalho interno árduo. E se não somos verdadeiros, não há espontaneidade, é apenas um lustro social básico que adquirimos, porque em algum momento isso irá escapar ao nosso controle e deixaremos transparecer essa irritabilidade, então tudo que temos neste sentido é uma forma “educada” de manter diálogos. Mas voltando a tal análise do bem e do mal em cada um de nós, e o que possa parecer misterioso, e que de certa forma regula certa atração de algumas situações, levou-me a observar que talvez o texto tivesse a intenção ou quem sabe a tentativa de explicar o inexplicável, ou seja, o que não se pode traduzir em palavras, algo pra lá de sutil no campo do conhecimento verdadeiro que está tão perto e ao mesmo tempo tão longe deste mundo de sombras. A questão que evidencio é como poderemos negar o mal estampado diante de nós e ficarmos passivos diante dele e principalmente se tivermos a percepção exata de sua direção. Seria somente para sustentarmos nossa vaidade de resistência e depois nos vangloriarmos de que em algum momento fomos resistentes, mas a que custo emocional isso demandaria? Se encarado dessa forma apenas como um desafio de resistência dos próprios limites, até onde suportaríamos? A vaidade gera um vício do qual é difícil de escapar. Com que base se encara passivamente o mal a nossa frente, nestas condições e de tal forma se não colocando a nossa vaidade em primeiro plano, e lembrem que a vaidade é a relação que temos com os valores da sociedade (com o que os outros pensam a nosso respeito) e não os nossos valores íntimos que estão atrelados ao juízo de valor que damos a nós próprios e que se traduz por auto-estima! Mas que situação complicada.
E me pego pensando mais adiante, que algumas pessoas escrevem determinadas “receitas” porque me parece, ainda não se deram conta que para algumas questões não há que se dar receita alguma, porque é impossível generalizarmos o processo de autoconhecimento. Pois, ou o individuo o faz por si, na sua intimidade solitária ou não o faz. Mas pelo amor de Deus, cuidado com receitas! O sabão em pó mais usado pela maioria da população pode resultar em reação alérgica para muitas pessoas e mesmo assim ser o mais caro, o que vende mais e o mais anunciado!
Lembrei agora das palavras da Sra. Blavatsky ao dizer mais ou menos assim sobre a Doutrina Secreta, “este estudo não é para mentes preguiçosas”, tão pouco o autoconhecimento o é. Se ficarmos indo atrás de receitas nos perderemos pelo caminho das pedras.
Sinto dizer, mas o mal existe! Ou podemos considerá-lo a ausência do bem, se formos levar a coisa a serio mesmo e trabalharmos observando os sentidos opostos (polaridades) de uma mesma coisa. É necessário identificá-lo sim. Entenderíamos os ciclos naturais se não tivéssemos consciência e percepção da sombra? Da mesma fora seriamos capazes de entendermos a revelação do mundo material através da luz, não fosse pelo entendimento das sombras? Enquanto estivermos em um mundo material haverá luz e sombra, bem e mal, necessários e eternos (A Doutrina Secreta). Então me parece que os conflitos, embora possam ser abrandados, ainda assim estarão presentes neste mundo.
Ao constatar o mal podemos nos proteger, denunciá-lo, nos afastarmos dele ou nos atirarmos em seus devaneios por falta de consciência, quem sabe!
Parece-me que o fato de nos vermos reincidentes em situações de conflitos é devido à larga escala medíocre de nossa sociedade (humanidade), porém é dever de cada um lidar da melhor forma possível com suas emoções e abrandar tanto quanto possível, sentimentos que nos envolvam ou nivelem a um mal feito ou por fazer, e claro, jamais respondendo com o mesmo mal. Ninguém alcança a iluminação servindo de tapetinho para os outros limparem os pés. Não sei se concordam, mas esse “dar a outra face” tem um significado mais além do que ficar levando pancada o tempo todo sem externar reação, sem que se observe o que ocorre em nosso diálogo íntimo.
Esta compreensão maior que eu costumo chamar de sensibilidade é no meu entendimento fundamental para se viver e claro não seria menos importante perante situações de conflitos, entre o mal e o bem.
A psicologia nos mostra que os exemplos do generoso e do egoísta estão ambos equivocados, o generoso não é o representante do bem, porque dá sustentação ao egoísta e a um ciclo interminável de conflitos. (Flávio Gikovate)
Assim como “ser bom” não ocorre apenas pelo simples fato de falarmos, ou pensarmos. É preciso ação! Ninguém se torna bom pelo fato de pensar que é bom! Ninguém alcança qualquer grau de iluminação só por pensar que está se iluminando!
O fato de pensar que se está acima do mal, não nos torna bons, tão pouco superiores a ele, mas é a nossa ação que nos move para um estado de maior compreensão da realidade! Tal tarefa é individual e intransferível. Não tem receita que dê conta da experiência que deve ser processada e recolhida individualmente! E se há reincidência é porque a lição ainda não foi concluída. Devemos também encarar o fato de que ninguém consegue vacina para determinadas circunstâncias da vida. Mesmo que se jure (de pés juntos), “agora não vou mais errar ou cair em tal armadilha”, a vida vem e muda o jogo e lá vai você caindo no mesmo laço, porque as combinações que a vida faz são infinitas e estamos vulneráveis porque ainda não nos percebemos completos.
Autoconhecimento não é tarefa fácil. Não há simplicidade nisto, ao contrário! Se fosse simples usarmos a Lei de atração para resolvermos questões como conflitos de relacionamentos, todos já estaríamos confortáveis num plano superior e devidamente iluminados, não necessitaríamos mais trabalhar nossa complexidade emocional ou coisa semelhante.
Se bastasse pensarmos em um modo diferente de olhar “com alma” seria já prerrogativa de sermos totalmente compassivos (compaixão é grau conquistado por esforços que demanda transpiração (ação). No entanto, o pensamento precede a ação, isto é certo. Mas não basta apenas pensar! O artista que pensa na produção de sua obra, sem a ação, sua obra é apenas uma forma pensamento, não se materializou, não aconteceu. Materializamos o espírito no arco descendente (a chegada ao planeta, ao mundo da matéria) e estamos tentando a conquista da espiritualização da matéria pelo arco ascendente (pelo desapego de tudo que nos liga a matéria), paradoxal? Nem tanto! Tarefa fácil, simples? Para quem, cara pálida? É preciso respeito à luta individual de cada um, e mais ainda sensibilidade para não comprometermos ou dificultarmos ainda mais a escalada árdua dos nossos semelhantes, enlaçando-nos desnecessariamente com os passos alheios e dando pouca atenção ao nosso próprio caminhar. É preciso despertar para uma visão real do que já podemos transpor, sem medos, sem mistificações. Chega de superstições tolas e falsas promessas, receitinhas de bolo e palavras bonitinhas. Auto-ajuda, na base da receita dos outros, é pura enrolação, é marketing para vender livros e promover lavagem cerebral! É para quem tem preguiça de viver e de pensar. Encare os fatos de frente, veja o que há em você que pode ser mudado, não queira mudar o mundo. Se a tentativa de mudança não implicar em mais dor e sofrimento é porque você provavelmente já pode investir em novos horizontes, novos caminhos, novos conhecimentos. Caso a mudança implique em dor e sofrimento, seja mais amoroso com você, porque nada que não ocorra espontaneamente nos dará a simplicidade e a sabedoria dos humildes e simples de coração, e a isso denominamos de “virtudes”, mas, por favor, não seja covarde, nem preguiçoso, mova-se.
Não conquistamos virtudes ou paz, através de flagelos ou de violência, muito embora, como dizia meu velho pai, "a dor ensina a gemer" que essa dor não seja gerada pela nossa falta de amor para conosco, falta de percepção e de sensibilidade para com os sofrimentos do mundo a nossa volta.
Os conflitos estão aí para serem enfrentados, administrados. Muitos conflitos ficarão sem solução, aprenda a aceitar questões que podem ser mudadas e outras que não se pode mudar ainda. Mas não se coloque de vítima, não se sinta um zero a esquerda em nada, mesmo que momentaneamente esteja equivocado, isto também faz parte do que devemos aprender ao longo da estrada, e acredite, cabe a cada um individualmente fazê-lo. Ninguém, na terra ou nos planos mais superiores fará isso por você a não ser você mesmo! Acredite, não há privilégio concedido por nenhum Mestre, Deus ou deuses, a não ser pelo seu próprio esforço, a sua própria conquista e mérito diante da caminhada. Se ficarmos de braços cruzados tentando dar chances para o mal que há no mundo, estamos no mínimo sendo coniventes com uma ação que nem nossa é, por simples imobilidade, o que só nos arrastará numa correnteza que Krishnamurti chama de “primordial”, ou seja, básica e medíocre da humanidade. Tire o gesso, vá em frente! Não se esqueça de agradecer e orar pelo bem que recebe, e pelo que deseja conquistar, mas como diz um ditado africano, "enquanto orar mova seus pés"! A vida é feita de ação, tudo está em movimento e transformação o tempo todo.
Esperar para arrumar o que há de errado no pai para que o filho mude ou que a sociedade mude, ou que a humanidade mude antes de você, só irá gerar um ciclo interminável de esperanças e protelar o que pode ficar um pouco melhor aqui e agora, e não exija perfeição nem nas tuas obras nem nas obras dos outros, basta que vá mudando aos poucos para que nos sintamos um pouco mais confortáveis para que outras possibilidades tenham a chance de serem geradas e manifestadas em nosso caminho.
Não tenha esperança de nada, quem se alimenta de esperanças cedo ou tarde se frustrará, porque nem tudo que esperamos é o que nos ocorre efetivamente. Aprenda a exercitar a tolerância, lidando com a rejeição e a frustração, não esqueça o bom humor, pesquise, leia sobre Psicologia, leia os grandes textos sagrados repletos de sabedoria (Sutras de Patanjali, Bhagavad-Gita, etc.), aprenda a beber nas fontes cristalinas do conhecimento, busque suas próprias respostas, elas podem não ser ainda completas, mas é a totalidade momentânea dos teus esforços, é teu patrimônio, ninguém poderá furtar-lhe. Ah sim, você tem outra religião, não é Hinduísta, tão pouco Budista, mas tudo bem nem o Sr. Buda era. Reavalie seus conceitos, esvazie-se, dê espaço para outros saberes,  outros valores, desapegue-se de sua cultura, de sua nacionalidade. 
Viva o momento presente, contando com seus próprios esforços porque dependemos deles o tempo todo e de mais ninguém.
E tenha em mente que mesmo aquela pessoa que mais amamos, poderá nos magoar, por não concordar com algo em nós, ou nosso modo de pensar e você também poderá da mesma forma causar mágoa em alguém que muito ama, e talvez nem se dê conta disto, pois ainda somos todos incompletos e ainda estranhos de nós mesmos.
Para finalizar, não eleja ninguém como mestre, guru ou sábio. Evite ao máximo valorizar acessórios ou bengalas psicológicas (em detrimento dos aspectos principais e fundamentais de qualquer questão) para não gerar maiores apegos e frustrações. No entanto, se eu pudesse dizer para crer em alguma coisa, diria para crer na capacidade interna de encontrar amor, paz, respostas, soluções que habitam em cada ser, e que, a meu ver, só é possível através do autoconhecimento.
Desejo a todos um suave e profundo despertar!
Vera Boff - 19/10/2009

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